Ainda que em meio ao caos, crianças continuam a nascer, flores continuam a desabrochar, a vida continua a insistir. Trago um conto que, apesar de por si só já ser considerado ficção, tem muito da minha infância. Na verdade, muito pouco nele é ficção. Espero que gostem. Que se recordem de momentos bons e que, mesmo diante do caos, consigam sorrir.

A bruxa está solta...
Lembro-me bem de algumas traquinagens da infância. Eu e o meu irmão tínhamos uma imaginação de fazer inveja a qualquer Mark Twain. Isso muito preocupava nossa mãe, que vivia nos vigiando.
Éramos piratas e subíamos no mais alto ponto do mastro do navio, que nada mais era do que o final da copa de uma bela mangueira, que havia no nosso quintal, aliás, nosso parque de diversões.
Certa vez, o mastro quebrou e lá fui eu para o chão. Cinco pontos bem no meio do queixo foi tudo, além de um medo danado de altura, que cultuo até hoje. Anjos também nos vigiavam o tempo todo, chego a pensar assim hoje, quando me lembro da queda.
Quando não queríamos almoçar, escorregávamos pelos vãos dos olhos da sentinela Antônia e íamos parar na casa dos vizinhos, os quais chamávamos de avós. Ela, quando descobria nossa fuga, ficava aterrorizada. Havia, na casa desses mesmos vizinhos, um cachorro muito mau chamado Pelé, que deu conta de um gato muito estimado, da vizinha do outro lado, quando minha mãe o tocou, pois estava sujando a calçada que ela tinha acabado de limpar, e ele foi dar de cara com o cachorro. Pensou no possível castigo dos céus, pelo descuido de enviar o gato à bocarra do Pelé. Corria nos buscar e nos prometia sempre uma surra com varinha de macieira.
O que fez, certa vez, nossa mãe quase enfartar, foi, sem dúvida, nossa briga com os “irmãos selvagens”, vizinhos da casa que fazia fundo com o nosso quintal. Eram sanguinários e saíram atrás de nós com uma faquinha de cozinha. Eu havia acabado de me deliciar com um suco de morango pura-tinta, daqueles de rodoviária, mas que nos chamavam a atenção pelas formas das embalagens. Havia, também, escorrido suco e parado na minha blusa branca. Quando minha mãe me viu, pensou logo em uma tragédia. Os olhos dela viam sangue, onde, em mim, era apenas suco de morango-pura-tinta. Desespero total... Foi então que ela teve A ideia...
- De agora em diante vocês vão brincar apenas aqui na calçada que rodeia a casa, não vão mais brincar com aqueles meninos que só gostam de briga e não vão mais para a casa dos vizinhos, porque eu soube que há uma bruxa nas vizinhanças, esperando o momento certo, num descuido, para levar embora as crianças que ela encontrar.
Nossa!!! Uma bruxa por ali...!!!!!! Como seria uma bruxa? Teria a tal verruga? Seria desdentada e descabelada? Voaria com uma vassoura e um gato preto de carona?Ah, mas quanto ao gato preto, o Pelé dá jeito...
- Mãe, bruxas não existem.
- Ah não? Pois abusem, para ver.
O fato é que, para corroborar, mesmo sem querer, para a tal história de dona Antônia, nossa mãe, o locutor de uma emissora de rádio, que ouvíamos, por acaso, finaliza, após ter noticiado a morte de uma criança e outros fatos fatídicos, que, já naquela época, davam ibope: “A bruxa está solta!”Foi o bastante... pelo menos, para o sossego da nossa pobre mãe, durante umas duas semanas, creio. Depois, por conveniência nossa (minha e do meu irmão),que já estávamos morrendo de saudade dos “irmãos selvagens”, dos nossos avós vizinhos e do nosso quintal mágico, achamos que a dita bruxa tinha ido procurar crianças em outros lugares. Afinal, ficar em uma cidade pequena, por muito tempo, não era bom negócio. Poderia ser pega e seria o fim dela...

Vistas: 72

Respuestas a esta discusión

Felicitaciones y muchos éxitos en el futuro, Chente.

FELICITACIONES

MERECIDA DISTINCION

UN ABRAZO

RSS

Ando revisando  cada texto  para corroborar las evaluaciones y observaciones del jurado, antes de colocar los diplomas.

Gracias por estar aquí compartiendo tu interesante obra.

Your image is loading...

Insignia

Cargando…